Na aurora do mundo nós nascemos e na abóbada de todas as coisas permanecemos.
Não, não, fora ainda antes disso, ante do rugido primaz, agora me lembro, nós é que decidimos gritar, foi nossa fúria irrefreável que criou todas as coisas, mas primeiro o tempo.
Primeiro o tempo e só então pudemos haver.
Aqueles que surgiram primeiro, que são todos nós e nenhum, à direita e a esquerda, o alto e o baixo, o existir e o não partiram em busca de todas as coisas, aqueles que são a letra S e E.
Para ver todas as coisas e um dia retornaram, nós ficamos a espera para a entropia do mundo.
Quando tudo surgiu nós estávamos lá, antes e depois do tempo, como algo que fora esperado desde sempre e por todo o sempre, e quando o tempo se for nós continuaremos.
Antes do tudo, quando cada coisa se veio e foi, antes que houvesse dia para poder haver a noite.
Flutuamos no vazio, na vaga espera de que o nada fosse se tornar algo e vimos nascerem às estrelas e as mil milhões de galáxias.
Não, não, fomos nós que nos tornamos estrelas, foram aqueles que disseram “não irei a partir daqui” que deixaram de ser sussurros para se tornar formas findáveis.
Nós que continuamos rimos de suas formas fugazes, nós sabíamos quando seria o fim, afinal, nós éramos o tempo e o vazio esperando para ser tudo.
E quando um numero indizível de estrelas ocupou o espaço nós vimos morrer aquilo que nós fomos e nunca seremos, e vimos surgirem estrelas negras sem luz alguma que devoravam todas as outras.
È nós desdenhamos, éramos o tempo e o vazio esperando para ser tudo.
E então disseram novamente “não irei a partir daqui” e vimos nascer pela primeira vez. Nós que éramos o tempo, nós que éramos o tudo esperando para se tornar vazio nos surpreendemos.
E aqueles que não continuaram desceram aos escombros de antigas estrelas e se tornaram o mar, e correram e se chamaram de vento e floresceram numa vida tão fugaz que escapava por nossos olhos, e nos esqueceram, e nós riamos, mas não tinha graça.
E então todos que ainda eram voz disseram “eu não irei mais”, eu quero nascer, eu quero ser vivo, mas isto já não era permitido ou ainda não era nosso tempo, não sabemos, decidimos não continuar, inventamos o presente e nos prendemos a ele a espera de acontecer.
Nós nuca havemos.
Porque aqueles que tinham parado tinham na verdade continuado, foi o vazio a se tornar tudo, nós éramos o nada e o tempo havia chegado a todos, mesmo nessa tola forma abstrata. Ficamos presos alem do véu da existência, nos tornamos o desespero, a dor, o medo e o amor, existíamos apenas porque outros existiam depois de nós, ou seria antes, ser o presente nos tirou tal resposta.
Tornamos-nos o sussurro por trás do sussurro e nos esquecemos pelo que esperávamos, queríamos viver, queríamos amar, vir a essa existência terrena e experimentar aquilo que a língua do homem chamou de destino, a vida.
E então descemos ao mais baixo tom e nos tornamos o espectro da vida, a miragem translúcida esquecida ao amanhecer, os homens nos chamaram de sonhos e nossa existência durava um despertar.
Ao cavaleiro, éramos venturas; ao apaixonado, a donzela; ao pirata o mar em ondas de ouro. Nós dávamos tudo, mas nada nos era dado, ao amanhecer nós mesmos esquecíamos quem éramos.
Então porque sempre éramos à direita e a esquerda nos tornamos o grito de terror na noite e os olhos petrificados, éramos a sombra a engolir a luz e todo o resto, ao pai nos tornamos a morte, ao fazendeiro a praga, ao padre a peste. Os homens nos deram mil nomes, eu me chamo Pesadelo.
Uns desceram mais que os outros, disseram. E nos foi tirado até mesmo à luz.
Eu que já fui as estrelas, o sol, eu que já fui tudo me rendo a essa forma que não conhece nem sequer o tempo!
Nix, Morfeu, Hipnos, Sandman! Oh antigos deuses dos sonhos nós te invocamos, ouve nossa fúria, foi nosso grito que criou o mundo e tudo antes disso e é esta terra nossa por direito. Nós somos a terra.
Permita-me sair fora da noite e da mente dos homens, deixe que eu devore suas colheitas e jogue praga em suas crianças, que cada cidade em ruínas e fogo seja um monumento a minha existência.
Rompe este véu, abre esta porta, deixa-nos entrar e lhe pouparemos, lhe daremos mil sonhos maravilhosos.
E quando eu houver secado o mar ainda estarei com sede, e quando cada coisa que viver tiver sido queimada ainda sentirei frio, e quando tudo for devorado e as entranhas da terra consumida, só então os homens receberão o meu perdão.
Daime a noite Senhores Escuros.